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Assédio da mídia e das fãs. Cobrança excessiva da torcida (e de si próprio). Apesar de rejeitar um psicólogo, ele faz, para Placar, uma inédita sessão de análise
por Arnaldo Ribeiro, da Agência Placar
SÃO PAULO - Hoje em dia,eu só leio isso. Dica de cinema, teatro, restaurante...", diz Kaká, folhando os guias de fim-de-semana da Folha de S. Paulo e do Estadão. Foi assim que o badalado menino-prodígio do São Paulo recebeu PLACAR para mais uma entrevista. Era uma sexta-feira, 4 de abril, dois dias depois de o São Paulo ter vencido o Gama por 5 x 1 — data em que o ex-técnico do Tricolor Oswaldo de Oliveira rompeu de vez com as torcidas organizadas do clube, que exigiam, aos palavrões, sua saída; data em que todos os jogadores do time (menos ele, Kaká, que, machucado, não esteve no Morumbi) convocaram uma entrevista coletiva em sinal de apoio ao comandante.
Espere aí: o São Paulo fervendo no caldeirão e o principal jogador do time distante em absolutamente todos os sentidos? Desdém? Desleixo? Egoísmo? Nada disso. Kaká simplesmente estava convencido de que, com um estiramento muscular na coxa, nada poderia fazer, naquele momento, pelo time. A parada forçada (mais de 30 dias sem jogar) depois de uma enxurrada de críticas das mais variadas — duas experiências novas para quem só viveu no topo desde o início de sua trajetória no time profissional, em 2001 — serviu para ele refletir. "Pensei em muita coisa. Foi excelente ter dado um tempo."
Um Kaká mais falante do que nunca e bem menos sorridente do que sempre afirmou que a principal conclusão de noites e noites de cabeça no travesseiro foi: "não desrespeitar, nunca mais, os limites." Limites, neste caso, no mais amplo sentido. Físicos, técnicos, sociais, emocionais...
Limites físicos em primeiro lugar. Afinal, foi por não conhecê-los que Kaká estourou o músculo da coxa e não pôde disputar a decisão do Campeonato Paulista deste ano. Desde que voltou da disputa do Torneio do Catar, com a Seleção Sub-23, no início do ano, Kaká (que praticamente não teve férias e não fez a pré-temporada completa com os demais atletas são-paulinos) diz ter sentido dores em praticamente todos os músculos das duas pernas. "Joguei partidas, digamos, meia-boca porque eram todos jogos decisivos; contra a Portuguesa Santista (em Santos), São Raimundo (no Morumbi) e contra o Corinthians (o primeiro jogo da decisão). Um dia antes da final, estourei de vez."
Kaká exime o departamento médico do São Paulo de culpa, mas decidiu agir de forma diferente daqui para frente. "Da próxima vez, quando sentir uma contusão, vou parar até me curar. Não vou seguir em frente como fiz."
Limites técnicos, também. Kaká disse estar se sentindo pressionado, por ele mesmo, a decidir os jogos para o São Paulo. Por isso, passou a abusar demais das arrancadas individuais "em vez de fazer a jogada mais fácil", prejudicando inclusive o time e irritando alguns companheiros — principalmente os que já sentem ciúmes do seu sucesso, do seu salário (um dos mais altos do elenco; 80 mil reais fixos, fora o direito de imagem, que praticamente dobra os vencimentos), do assédio que sofre das fãs e da própria cartolagem fora dos gramados.
"Eu estava tomando muito para mim a responsabilidade de decidir, mas botei na cabeça que não jogo sozinho; posso ser decisivo, mas assim como o Ricardinho, o Rogério, o Luís Fabiano..."
Oswaldo de Oliveira, ex-técnico do São Paulo e admirador de Kaká, diz que o jogador "é daqueles que não fogem da raia". "Isso tem um aspecto positivo, lógico, mas também um negativo: ele sente um certo complexo de culpa nas derrotas e, por isso, uma das funções do meu trabalho sempre foi descarregar um pouco essa carga."
Limites sociais, claro. Kaká sempre procurou atender a todos, mas o assédio insano da mídia (não só a esportiva — chega a receber de 30 a 40 convites por mês para participar de programas de televisão diversos), dos fãs e de toda a sorte de parasitas que rondam o futebol tornou-se insuportável. "Até o fim do ano passado, eu recebia convites até para apresentar baile de debutante. Eles chegavam por todos os lados. Saiu do controle."
O diagnóstico claro de todo esse quadro é: estresse. Daí a importância da parada que o corpo lhe proporcionou. Curioso é que a coluna "Kaká: você não precisa decidir",segundo o próprio jogador, o ajudou muito nesse processo de reflexão. Kaká leu o texto no site de PLACAR
www.placar.com.br, pouco depois da decisão do Paulista, contra o Corinthians. "Tirei bastante coisa dali, mas queria fazer uma ressalva: não preciso de psicólogo", disse, numa das poucas vezes em que exibiu seu sorriso característico.
No São Paulo, porém, tem muita gente que pensa o contrário; que um divã só faria bem a Kaká. O técnico Oswaldo de Oliveira é um deles. Quando chegou ao clube, no ano passado, ele se assustou com a sobrecarga diária de compromissos que Kaká enfrenta. "Isso acaba afetando o desempenho dele. Na volta do Kaká da Copa do Mundo, procuramos filtrar um pouco esse assédio. Mas aí, veio o Brasileiro: o Kaká jogou muito e a coisa retornou em progressão geométrica."
Outro que defende divã para Kaká é o supervisor Marco Aurélio Cunha. "O psicólogo pode detectar problemas que nós provavelmente nunca descobriremos. Aos 21 anos, o Kaká, apesar de um formação privilegiada, não tem condições de arcar com tudo."
O assunto é tratado com cuidado, mesmo porque psicologia ainda é um grande tabu no mundo de preconceitos que cerca o futebol. O atacante Luís Fabiano, outro ídolo são-paulino, só que de temperamento explosivo, foi convencido a duras penas pela cúpula tricolor a procurar um terapeuta — e está gostando da experiência.
Apesar do esforço de Oswaldo e companhia, o próprio São Paulo, muitas vezes, contribui para o estresse de sua maior estrela. Recentemente, mesmo machucado, Kaká teve de bancar o garoto-propaganda do clube. Foi o escolhido para representar o time em Brasília no evento que marcou o engajamento do São Paulo na campanha "Fome Zero".
Lá, entregou pessoalmente uma camisa ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, que seria leiloada em prol da campanha. Dias depois, saiu de sua casa, à noite, para se encontrar com o filho de Muamar Kadafi, presidente da Líbia, que, convidado pelo São Paulo, trouxe seu time de futebol para um amistoso no Morumbi. Al-Saadi Kadafi só se satisfez quando encontrou Kaká.
E o que os verdadeiros responsáveis pela imagem de Kaká pensam disso tudo? Vágner Ribeiro, seu empresário desde os primórdios, entende também que seu pupilo está muito exposto. "Ele não deve mais, por exemplo, ficar aparecendo na TV toda hora. Por acaso, você vê o Ronaldinho (do Real Madrid) em mesa redonda? Não podemos desgastar a imagem do Kaká. Ele não pode aparecer demais. Essa é a nossa estratégia." Arranhar a imagem não pode? E sugar as energias de um moleque de 21 anos? Pode?
Em todo o caso, Ribeiro e o pai de Kaká, Bosco, tiveram o cuidado de contratar a empresa de marketing esportivo Traffic para cuidar da marca Kaká; ou seja: de tudo o que envolve o jogador fora de campo. "Damos estrutura em todos os sentidos; amparo financeiro, jurídico e pessoal. Tudo para que ele tenha paz e tranqüilidade para jogar", afirma Kléber Leite, vice-presidente da Traffic, que desenvolve um trabalho semelhante com Ronaldo, do Real Madrid, e Robinho, do Santos.
Leite também diz que a empresa está empenhada em preservar Kaká. "Recusamos recentemente 18 propostas comerciais. O Kaká só estará associado a empresas que têm o perfil dele e interessadas numa relação duradoura." Atualmente, Kaká tem contrato com seis marcas: Adidas, Armani, Ambev, Tilibra e mais duas que estão em fase final de entendimentos, Nestlé e Alpargatas (Rider).
"Vamos cortar os compromissos sociais dele também. Vai minguar a aparição do Kaká em revistas e festas. Podem aguardar", afirma Leite. "O pessoal da Traffic está disciplinando a minha imagem", diz o jogador, satisfeito. A associação Kaká-Traffic é vista com certo mau humor por boa parte dos dirigentes do São Paulo, que entendem que o excesso de compromissos comerciais do jogador tem atrapalhado seu desempenho em campo. Quanto a isso, Leite é claro: "Se eu fosse o São Paulo, ficaria feliz por ter alguém cuidando tão bem da minha maior possibilidade de glória."
A empresa controla, de fato, todos os passos do ídolo. Se Kaká quer ir a um cinema, quem cuida de tudo é a Traffic, que compra os ingressos e dá um jeito do craque entrar em cima da hora, já com as luzes apagadas, e sair assim que o The End aparecer, ainda no escuro. "Só fico ouvindo cochichos quando entro", diz Kaká.
A tietagem das fãs continua no mesmo ritmo, apesar de ele ter assumido seu primeiro namoro oficial com a bela morena Caroline Lyra, 15 anos, filha de Rosângela Lyra, executiva da Christian Dior na América Latina. "Quando eu estou com ela, as fãs seguram um pouco", diz Kaká, que curte a vida de popstar, mas, de vez em quando, lamenta a falta de privacidade e de liberdade para usufruir dos seus 21 anos.
"Outro dia, tinha uma festa que precisava ir; de uma pessoa querida. Não era balada, nada, mas resolvi perguntar para o pessoal do São Paulo se deveria ir porque sabia que teria imprensa lá, essas coisas, e eu estava machucado. Eles disseram que sim. Só falaram para eu tomar algumas precauções, como não ir para a pista de dança, por exemplo." Falaram para você não dançar, Kaká? "É. Depois eu fiquei pensando que eles tinham razão. Iriam falar: ‘jogar você não pode, mas dançar pode, né?´ Se tudo tivesse bem, ninguém iria ligar, mas como não estava..."
Realmente não estava. Na verdade, pela primeira vez desde que surgiu para o futebol, Kaká passou a ser contestado, cobrado pelos torcedores, vaiado até, acusado de "amarelar" nas partidas decisivas (na partida que eliminou o São Paulo da Copa do Brasil, diante do Goiás, ele foi um dos principais alvos dos torcedores) — muito pela ausência de títulos importantes que persegue o São Paulo. "Acho injusto tudo isso. O que eu mais gosto é de decisão. Não assumo essa carga. Não me sinto pipoqueiro", afirma, mas com certa resignação. "Até que esta primeira fase ruim, se é que posso chamar de fase ruim, veio tarde. Já estou no meu terceiro ano como profissional." Para o supervisor Marco Aurélio Cunha, "faltava isso para Kaká completar seu ciclo como atleta."
O fato é que Kaká resolveu encarar a desconfiança momentânea de frente. "Quero jogar fora, no Milan, Real Madrid, sei lá... Se eu não agüentar essa pressão aqui, como vou me virar lá fora?"
A transferência para um grande clube do exterior, aliás, está mais em pauta do que nunca. Para seu empresário, Vágner Ribeiro, o momento de Kaká sair chegou: no meio deste ano, quando abre o mercado europeu — apesar de o meia ter contrato com o São Paulo até o fim de 2004.
Segundo Ribeiro, o clube já recebeu antes duas propostas oficiais pelo jogador: uma de 12,5 milhões de dólares do Brescia, da Itália, e outra de 15 milhões de dólares do Bayer Leverkusen, da Alemanha. "Hoje, o Kaká tem sondagens do Milan e do Manchester. O presidente do Real Madrid também já disse pessoalmente ao Kaká que queria ele no clube. O melhor para todos, inclusive para o São Paulo, é o Kaká sair agora."
O raciocínio de Ribeiro é o seguinte: em janeiro de 2004, na reabertura do mercado europeu, só os clubes médios, costumam contratar. Esse tipo de clube não interessa. Em julho de 2004, quando novamente as transferências estarão liberadas, Ribeiro diz que Kaká não sairá. Afinal, restariam só seis meses para o fim do seu contrato com o São Paulo e seria melhor esperar o fim do compromisso, para que o atleta negociasse sozinho sua transferência, sem ter que passar nada ao clube.
"Outro dia, estava olhando uma PLACAR em que apareço na capa (edição 1206, de novembro/2001) e reparando nos dez objetivos que tracei no início da minha carreira", diz o craque. À época, após ter sofrido um acidente na piscina, Kaká se propôs, entre outras coisas, a virar profissional e titular do São Paulo, jogar o Mundial Sub-20, ser convocado para a Seleção principal e disputar a Copa. Cumpriu quase todos. "Só falta o último: jogar num grande clube europeu."
Metódico, ele já preparou uma nova listinha de metas, agora bem mais curta: 1) virar titular da Seleção e disputar a Copa das Confederações, na França; 2) jogar e vencer a Olimpíada de Atenas; 3) ganhar um título importante pelo São Paulo antes de ir para o exterior. "Vou dar a minha vida para me despedir do clube com uma conquista importante." Resta saber se os corneteiros de plantão vão permitir, Kaká. Até a próxima sessão!
Bastou uma contusão daquelas bem banais — uma contratura na coxa — para que todo o trabalho de fortalecimento que Kaká vem fazendo desde 2001 fosse posto em xeque. Em dois anos, o jogador se transformou em um "touro": passou de 71 quilos para 82 — desses 11 quilos a mais, 10 são pura massa muscular.
O SuperKaká agüenta?
Em campo, o "SuperKaká" vinha atropelando os adversários. Mas aí veio a lesão e, com ela, as dúvidas. Kaká está mais exposto a contusões? Corre o risco de ter um problema mais grave, tipo ruptura de tendão do joelho, pela massa adquirida?
Para apimentar a discussão, um elemento curioso: a Revista Oficial do São Paulo, que na edição 115, lançada pouco antes de Kaká se machucar, traz a manchete "SuperKaká: mais músculos, mais força, mais explosão." Na reportagem, o fisiologista Turíbio Leite de Barros, responsável pelo programa de fortalecimento de Kaká, o preparador físico Fábio Mahseredijan e o fisioterapeuta Ricardo Sasaki (todos do São Paulo) falam sobre o tratamento — mas não exatamente na mesma língua.
Ao comentar os riscos que o atleta corre no caso de um programa mal planejado, Mahseredijan diz: "o risco é o desequilíbrio muscular. Aí você começa a ter lesões de adutores ou de posteriores da coxa." Para azar dele, Kaká teve exatamente esse tipo de lesão. "Outro risco que se pode ter, mas não é consenso científico, é o tipo de contusão do Ronaldo". Para sorte dele, Kaká não teve nada no joelho. O preparador físico também diz acreditar que Kaká possa ganhar ainda "um ou dois quilos de massa", enquanto o Sasaki afirma que ele chegou ao limite: "Se passar disso, começará a se sentir pesado."
Irritado, Turíbio emitiu nota oficial. "O problema muscular que Kaká teve não tem relação com o trabalho de fortalecimento. Pelo contrário, o fortalecimento muscular previne as lesões. (...) Kaká não teve férias, não fez pré-temporada, foi um dos atletas que mais partidas disputaram em 2002. O problema muscular é conseqüência óbvia desta grande sobrecarga."
Kaká, amigo pessoal de Turíbio (o irmão dele, Digão, é namorado da filha do fisiologista), disse que assina embaixo. "Eu confio neles. Aliás, todos estavam elogiando o meu trabalho de fortalecimento até eu sofrer essa contusão comum. Diego e Gil também tiveram lesões musculares e ninguém falou nada."